quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Do latão para a tela

Do latão para a tela
Confira a matéria do site http://www.ecopop.com.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=63&sid=5

Existe muito mais mistério entre o homem e o lixo do que imagina a nossa vã filosofia. Lixo? Para o catador de papéis José Luiz Zagati, 53, morador da periferia de São Paulo, não é bem essa a palavra. Recicláveis é um termo mais apropriado. Ele parece entender do assunto, pois foi graças ao trabalho de catador " muitas vezes desprezado pela sociedade " que realizou seu maior sonho: construir sua própria sala de cinema, batizada Mine Cine Tupy. Com material que serviria para entupir bueiros ou engordar lixões e aterros sanitários, Zagati deu novas cores ao roteiro de sua vida ao inaugurar, na garagem de sua antiga casa, na periferia de Taboão da Serra, município da Grande São Paulo, uma sala de projeção " com entrada gratuita especialmente para crianças. O que ele não imaginava é que sua façanha iria pular para as telas. Rendeu a Zagati o papel de protagonista no curta-metragem de Sérgio Bloch, Mine Cine Tupy - selecionado para o Festival de Cine Latinoamericano de Havana, em Cuba, que acontece de 2 a 12 de dezembro. "Hoje meu trabalho é levar cinema para quem não tem acesso. Agora só tem sala de projeção em shopping center e, se deixar, muita criança não vai", lamenta Zagati. "O meu Mini Cine nasceu de um sonho e agora eu apareço na tela, é muita emoção", comemora ele, também protagonista do documentário Zagati, de Edu Felistoque e Nereu Cerdeira. Sérgio Bloch filmou a história inusitada Fascinando as crianças De acordo com o catador, os pequenos ficam impressionados quando sabem das origens de cada uma das peças do inventivo cinema. "Elas perguntam: ´Esse projetor você achou onde? E esse aqui?", diz ele. O lugar é ainda mais valorizado quando descobrem que ele é feito do que poderia ser visto como... lixo. O projetor, as poltronas, pedaços de fitas, rolos de filmes... Quase tudo na sala de projeção foi sendo garimpado, pouco a pouco, durante seus oito anos na profissão. Especialmente interessado pela temática do catador de lixo, o diretor do curta-metragem, Sérgio Bloch " que tem no currículo o média-metragem Burro sem rabo - ficou encantado com a história de Zagati. "Ele é um cara muito cativante, que tem ideais, figura anacrônica nos tempos de hoje. A fascinação dele não é tanto pelos filmes quanto pela magia do cinema, essa coisa da lanterna mágica", observa. "O catador trabalha com uma coisa muito palpável e necessária, mas que a gente despreza e descarta", acrescenta ele, ganhador do prêmio de melhor curta-metragem do júri internacional no VI FICA " Festival Internacional de Cinema e Video Ambiental de Goiás, em junho deste ano. Passado o glamour de ter virado película, o espaço do Mine Cine Tupy foi ampliado. Seu idealizador mudou-se, há oito meses, levando a invenção para um terreno um pouco maior, na comunidade de baixar renda Jardim Record, na capital paulistana. "O lugar foi ficando pequeno para tanta coisa que eu encontrava: pôster, projetor, poltrona. Agora tenho três quartos no porão e, no andar de cima, fiz uma laje onde construo o cinema", conta ele, que mora com a esposa e mais seis filhos. Desemprego o levou a trabalhar como catador Anteriormente com 16 lugares, agora o cinema comporta 50 pessoas. Mas Zagati conta que o espaço - de 11m de comprimento por 4m de largura " está em obras e precisa de investimento. Dessa vez, ele não conseguiu tirar do lixo o material necessário. "Hoje tenho projetores 16 mm e há 1 ano ganhei no programa do Ratinho um telão multimídia. Mas apesar de todo esse auê não tenho como levantar as paredes da nova sala", lamenta. "Fiz o orçamento e acho que com R$ 1mil daria para comprar o básico - tijolos, areia, cimento", diz ele, que recebeu como doação as telhas e o piso em outro programa de TV. Zagati recebe apoio da secretaria estadual de Cultura há dois anos para levar seu cinema aos locais mais distantes. Muito feliz com a repercussão de sua invenção, ele continua valorizando o antigo trabalho de catador. "Meu contrato com a secretaria não tem tempo definido. Depois, se acabar, fico já muito agradecido e continuo com meu trabalho de catador. Consegui sustentar a minha família e realizar meu sonho com a sucata, por isso sou muito grato à ela. Quem trabalha como catador não volta para casa sem dinheiro no bolso. Só não pode gastar com bebida", adverte. Até que tivesse seu trabalho valorizado, Zagati trilhou um longo caminho. Foi pedreiro, borracheiro, servente, mas não via nem sinal de que poderia realizar seu sonho. Decidiu virar catador quando, desempregado, observou a quantidade de material que era despejado pelas ruas. Em Taboão da Serra, teve quem desdenhasse sua atividade. "Uma pessoa chegou a dizer que Deus não gosta de quem cata a sobra dos outros. Isso me deixou muito triste. Hoje essa pessoa trabalha como catador", conta. Mas o preconceito já foi maior. "Por causa do desemprego, cada vez mais gente trabalha como catador. O trabalho colabora com a ecologia, porque evita que o material vá parar no esgoto ou dentro dos rios. É só imaginar que 1mil kg de papel reciclado evita que se cortem 20 árvores", calcula ele, que já fez palestra para os catadores de papel no Sesc Itaquera, SP. Zagati e a mulher Madalena, também catadora Motor de limpador de pára-brisa A rotina de Zagati como catador de papel não era nada fácil. Às 6h ele já estava de pé com o seu burrinho sem rabo, senão os outros chegavam na frente. "A partir de então, saía para a captura indo de lixo em lixo. Às vezes não encontrava nada, mas em outro lugar tinha muita coisa. Ao meio-dia eu estava com o carrinho cheio", diz ele, que estipulava catar uma meta diária de R$ 10 - R$ 2 dos quais economizava para comprar o projetor. "Cheguei a juntar 4 toneladas de sucata e vendia para o depósito por R$ 0,4 o quilo. Nessa época o pessoal não se interessava em catar e tinha muito papelão na rua. Quando o quilo chegou a valer R$ 0,30, o pessoal começou a catar", diz ele, que hoje pilota o cinema e deixa a coleta para a esposa, Madalena. Foi Madalena quem avisou ao marido quando pedaços de poltrona estavam sendo despejados em um terreno próximo de casa, há cerca de três anos. "Minha mulher me deu a notícia, eu fui lá mas já tinham levado as melhores peças. Peguei as pernas e os encostos de poltrona que restavam e montei as primeiras 16 cadeiras", lembra Zagati. Já o primeiro pedaço de projetor foi encontrado em um ferro-velho, mas estava sem motor e sem áudio. A peça foi adaptada, ganhou um motor feito de limpador de pára-brisa e assim foram exibidas as primeiras imagens do Mini Cine. O catador de papelão se emociona quando lembra do dia em que comprou seu primeiro projetor de 16mm, no centro de produção do cinema marginal brasileiro, a Boca do Lixo paulistana. "Entrei na loja e quase tropecei no projetor, que custava exatamente o que eu tinha - R$ 50 economizados, mais R$ 30 dados pelo meu filho como presente de aniversário", lembra. Catador agora quer filmar o próprio roteiro Hoje o acervo do seu Mini Cine - o nome é uma homenagem ao único cinema que existia na cidade - é repleto de filmes, muitos deles doados. Em boa parte das películas está presente o seu ídolo do cinema, Mazzaropi. São muitos os planos. Entre eles, terminar a obra do Mini Cine e torcer para que tudo continue a dar certo. Porque em parte, já deu. "Não tenho nem palavras para dizer como me sinto ao ver a carinha das crianças no cinema. E quando me vi na tela, então, imagina?! Melhor sair da sala e não ficar olhando não. É emoção demais!", diz ele, que por conta de sua obra conseguiu uma bolsa na Escola Arte, em São Paulo, onde fez o curso básico de cinema. Desde então, filmar seu próprio roteiro - O pescador e o Lambari - está na programação. "É um filme caipira", observa. "Quero um dia ver uma produção minha, por menor que seja", deseja.

Confira a matéria realizada com Zagati para a Revista Kalunga

O sonho de um homem de compartilhar com seus vizinhos a paixão pelo cinema transformou-se em realidade na periferia de São Paulo Acontece na vida real Todos os domingos, chova ou faça sol, os moradores do Jardim Record, Taboão da Serra, município da Grande São Paulo, têm diversão garantida. Numa reprodução tosca do famoso “Cinema Paradiso”, eles têm encontro marcado, religiosamente às 19 horas, na sessão noturna do Mini Cine Tupy. O responsável pelo evento é o cinéfilo José Luiz Zagati, que também opera o projetor adquirido, com muito sacrifício, em uma loja de usados da Rua Santa Ifigênia, reduto de equipamentos eletrônicos da capital paulista. Não é muito diferente a história de Zagati da de milhares de pessoas que se encantam por um hobby, em determinado momento, e a ele se apegam pelo resto da vida. Apaixonado pela Sétima Arte, teve sua vida reproduzida em reportagens nacionais e internacionais e, inclusive, no documentário “Zagati”, ganhador de vários prêmios, entre eles, o Kikito no Festival de Gramado em 2002. Zagati já fez um pouco de tudo na vida. Foi ajudante de pedreiro, borracheiro, catador de papelão e, hoje, trabalha para o governo do Estado de São Paulo como promotor de eventos de cinema nas regiões periféricas e carentes. Nascido em Guariba, região de Ribeirão Preto (SP), há 54 anos, traz da infância uma das mais importantes lembranças de sua vida: “Aos 5 anos minha irmã mais velha me levou a um cinema – havia dois em Guariba. Eu entrei em seu colo pela lateral, pela saída de emergência. Vi de um lado a tela e do outro a luz do projetor e o público sentado na cadeira. Quis entender o que acontecia. Como costumo dizer: ‘Nesse momento, fui atraído pela luz do projetor’”, conta. Pouco depois, o trem trouxe sua família para São Paulo, hospedada, a princípio, na casa de um irmão de seu pai. “Não ficamos muito tempo na casa do meu tio. Meus pais arrumaram trabalho e deram entrada num terreno”, relembra Zagati. Aos poucos, foram construindo a casa na região do Taboão, à época, ainda cheia de mato, com muitas chácaras e olarias. Ele foi matriculado em uma escola local onde estudou até a 3a série. “Fiz o primeiro ano na escola japonesa, destinada aos filhos dos imigrantes, donos das chácaras da redondeza”, enfatiza. No Largo do Taboão da Serra, ponto de encontro dos moradores, havia o Cine Tupy, que fazia Zagati lembrar da cena de Guariba e sonhar estar lá dentro. Aos 10 anos, passou a freqüentar o cinema, sempre aos sábados. Conseguia o dinheiro para pagar a entrada engraxando sapatos e enchendo caixas-d’água para comerciantes. “Todo mundo tinha um poço de água. Eu enchia a caixa-d’água de dois comerciantes portugueses que eram meus fregueses. Era certeza de que teria dinheiro para o cinema porque a caixa-d’água deles sempre esvaziava.” Pouco importava saber o nome do filme em cartaz. “Seja qual fosse, assistia. Chegava lá, olhava os cartazes de divulgação, comprava o ingresso e entrava para a sala. Olhava as poltronas e a tela e ouvia aquela música tocando antes do filme. Tudo era emocionante, mais bonito. Não era como hoje que, para ver o que está passando, é preciso entrar no shopping e procurar”, compara. Além do Tupy, o cinéfilo esteve no Cine Palladium, na Avenida Francisco Morato; e no Cine Goiás, em Pinheiros. “Sempre tive a intenção de colocar um projetor para funcionar, montar uma tela e criar platéia”, diz Zagati.